CAÇADA DE INTOLERÂNCIA: Uma investigação jornalística sobre a violência policial contra terreiros durante as buscas por Lázaro Barbosa
18 de junho de 2021 - De volta ao terreiro....
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Fotos vinculadas em portais de notícias, em que aparece o terreiro do Pai André.
Era noite de 18 de junho de 2021, 00h, quando - novamente - policiais, agora trajados de bege, foram até o terreiro do Pai André, mais uma vez, em busca do Lázaro. A ideia dos agentes era entrar nos terreiros e procurar perto dos córregos, onde o criminoso poderia buscar abrigo e água. Além disso, após a divulgação das fotos do terreiro do pai de santo, havia uma (falsa) correlação do criminoso às religiões de matrizes africanas.
Nesta noite, dia 18 de junho, o pai de santo estava no terreiro. A idade do idoso não faria diferença para os agentes, que, mesmo identificados, ainda sim tiveram uma conduta violenta.
— Eles não me pediram para abrir portas ou armários. Se eu abri, foi obrigado.
Relatar os acontecimentos é difícil para o idoso de 82 anos de idade. Além da visão se recuperando, ele também tem um problema de audição que dificulta entender o que as pessoas falam. Em muitos momentos, o advogado o ajuda a lembrar de alguns fatos e explica, com paciência, as procedências jurídicas tomadas. Todas as agressões mexem com seu emocional. Os olhos marejados e inconformados mostram que a violência não foi esquecida.
Depois de 10 dias de procura pelo criminoso foragido, os policiais entraram mais uma vez num templo sagrado de forma violenta. Alguns agentes levaram o caseiro para um canto afastado. O advogado do pai de santo me contou que, nesse momento, ele foi novamente agredido. “Os laudos não mentem, as agressões aconteceram”, ressaltou.
Outros policiais começaram a interrogar o Pai André. Porém, não havia provas, evidências ou qualquer fator circunstancial que ligasse o pai de santo ao assassino. Mesmo assim, a abordagem era - como lembra Pai André - como se ele fosse um bandido, que escondia Lázaro dos policiais.
— A gente queria ajudar, é claro. Se havia um assassino nas nossas terras, para nossa segurança, era importante eles procurarem. Mas, não da forma que foi, eles me trataram igual bandido. Isso eu não sou.
A agressão contra o pai de santo não foi física, mas emocional e psicológica. O medo e o trauma ainda são evidentes em sua voz, já os pequenos olhos azuis guardam a dor. Os agentes gritavam, de forma agressiva, perguntavam onde ele escondia o Lázaro, onde estava, para onde iria. Não eram questões de agentes que buscavam informações, mas que faziam acusações.
— Eles ficaram cada vez mais agressivos. Eu gritei “Eu tenho idade pra ser seu pai, você precisa me respeitar também”. Eles não pararam, mas eu vi que ficaram menos agressivos depois disso.
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Ao longo das buscas por Lázaro, os policiais foram mais de sete vezes ao terreiro do Pai André. Ele conta que, após a divulgação das agressões na mídia, a abordagem policial foi diferente.
![WhatsApp Image 2021-11-10 at 13.32.38.jpeg](https://static.wixstatic.com/media/bbc0d1_c8184efc3d184893b357e766c1fbcddf~mv2.jpeg/v1/fill/w_600,h_373,al_c,q_80,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/WhatsApp%20Image%202021-11-10%20at%2013_32_38.jpeg)
Foto: divulgada no Twitter do deputado Fábio Felix (PSOL).
19 de junho de 2021 - Em busca de justiça.
Mãe Beth, 58 anos, líder religiosa do terreiro Sol do Oriente, localizado na cidade Águas Lindas de Goiás (GO), foi quem Pai André procurou para contar sobre as agressões sofridas. Ela recorda que, após o acontecimento com o pai de santo, até a captura do Lázaro, o medo era convidado permanente dos pensamentos e da casa dela.
— Eu tenho certo "privilégio" por estar num terreiro localizado na cidade e, mesmo aqui, os policiais vieram para buscar o foragido. Mas, meu maior medo era por meus amigos e irmãos, que estão mais afastados. Eu tinha medo do bandido, mas também da polícia.
Após ficar sabendo sobre a situação do Pai André, mãe Beth pediu que o filho e advogado, André Alves, ajudasse o pai de santo. Primeiramente, o advogado conversou com a vítima e, após analisar que havia provas suficientes para prestar a ocorrência, eles foram até a delegacia da cidade de Águas Lindas.
— Ele me disse que, na primeira vez que tentou prestar ocorrência, não recebeu nenhuma documentação. Nisso, eu já sabia que nada havia sido feito.
Neste dia, 19 de junho de 2021, Pai André, o caseiro e André Alves, foram à delegacia para, além de prestarem o boletim de ocorrência, também conseguirem o laudo da vítima física. Apesar de serem atendidos rapidamente, o advogado conta que sentiu certa restrição do delegado em prestar a ocorrência. Assim que chegaram, um grupo de pais de santos também chegou à delegacia para apoiar o Pai André.
O delegado pediu para que o advogado mantivesse no local apenas as vítimas diretamente atacadas. E, nesse momento, começou uma “negociação” pela ocorrência.
— A primeira coisa que me perguntaram foi qual polícia era. Eles não sabiam identificar, porque nitidamente não era uma circunstância favorável. A partir desse momento, teríamos um problema que era "polícia não investiga polícia”.
Por isso, o processo jurídico, futuramente, foi feito contra o estado de Goiás. Após, mais ou menos duas horas, os três conseguiram sair da delegacia com a ocorrência feita e os documentos em mãos.
11 de outubro de 2021 - O posicionamento do Estado.
"O requerente ajuizou ação indenizatória em desfavor do Estado de Goiás, aduzindo que foi vítima de abuso de autoridade por parte de policiais militares e civis, que invadiram sua residência e local de trabalho (templo umbandista), durante a operação de captura de Lázaro Barbosa, ocorrida em 15.06.2021.” - e-mail recebido do advogado André Alves, com o primeiro requerimento do processo.
— Ao fazer qualquer perícia, é possível ver que as imagens do site vinculando ao Lázaro ao candomblé e da casa do Pai André são as mesmas. Ainda o laudo do Instituto Médico Legal (IML), feito dois dias depois da abordagem policial, também comprova as agressões — explica o advogado André Alves.
O processo e a indenização não são apenas pelos danos físicos e materiais. Há também os danos morais. Além da intolerância religiosa, tanto pela abordagem policial quanto pela divulgação dos terreiros, e dos abusos psicológicos. Pai André é aposentado, recebe um benefício de R$ 1,1 mil por mês, de acordo com o comprovante da Previdência Social, que utiliza para sua alimentação e manter o terreiro. Sem a indenização do Estado, o pai de santo não sabe quando conseguirá consertar os arrombamentos.
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Lei 4898/65 - Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais; assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
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Em casos de crimes de discriminação, agressão ou ofensas contra religiões, liturgias e cultos,
o Disque Direitos Humanos (Disque 100) atua como um “pronto socorro” dos direitos humanos e atende graves situações de violações. O serviço funciona diariamente, 24 horas, por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100.